A entrevista abaixo, com a presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais Keila Simpson, é uma das que compõem a parte qualitativa da pesquisa “Violência contra LGBTs nos contextos eleitoral e pós-eleitoral”

Foto: Arquivo Pessoal

Você tomou conhecimento de algum caso de violência contra pessoas LGBT+ durante o segundo semestre de 2018 que guardasse alguma relação com o contexto eleitoral?

Keila Simpson – Como eu coordeno uma associação nacional não tenho especificamente relato de algum caso específico, mas de muitos pelo Brasil afora. Muita gente relatou exatamente isso nessa situação do presidente Bolsonaro ser eleito. Aumentou, sim, consideravelmente o número de pessoas que foram violentadas, que sofreram agressões que sofreram ameaças. Foram muitas essas situações de violações.

Você identificou algum padrão de violência política contra a população LGBT+ durante as eleições de 2018?

Keila – Ficou nítido que a motivação de discursos violentos e de ódio durante a campanha eleitoral contra a população LGBT tomou uma conotação enorme e de uma forma bem prática atingiram muitas pessoas trans. Na verdade é uma população mais visível, uma população que não tem como se ocultar dada sua identidade, que é bem aparente. E o temor foi grande por essa razão, por esse discursos inflamado, pelas notícias de pessoas que acabaram sendo violentadas, agredidas. Em São Carlos teve uma menina, Angela, que foi agredida, teve uma morte em São Paulo, teve violência em Aracaju. Então foram violências perpetradas por esse discursos odioso que vieram da política e porque a gente não tem nenhuma legislação específica que coíba esses atos violentos, essa violência massiva. Motivados por isso, por essa falta, as pessoas que cometeram essas violências sentiram-se no direito de praticá-las. Obviamente que casos outros que não tiveram conotação ou que não tiveram registro a gente não ficou sabendo. Mas o fato é que imperou sim, muito, muito essa violência no segundo semestre de 2018. Desde que começou a disputa eleitoral já no segundo semestre de 2018 e início de 2019 tiveram essas violências que eu já te relatei. Agora em 2019, de fato, as violências que ocorreram com relação a nossa população foi essa polarização muito do discurso de ideologia de gênero. Essas divulgações de informações falsas, de informações não corretas sobre “ideologia de gênero”, que é cunhado por esses religiosos fanáticos, também é uma grande forma de violência e isso acarreta uma cadeia de outros acontecimentos: é Estado revogando decreto, propondo revogação de decreto, deputado revogando decreto do nome social no Congresso. Essas coisas tomam essa conotação de descaso, por essas violências que são muito naturalizadas e por esses discursos vindo de ministros de estados que teriam que compreender que a gente saiu da campanha política e que agora eles estão governando um país diverso como o Brasil.  A gente fica aqui na retaguarda tentando apagar incêndio, tentando desconstruir, tentando reagir de forma muito oficial sobre esses retrocessos. E a nossa luta é essa. É continuar neste ano e nos demais que virão por aí nesse governo tentar achar um caminho em que essas violências possam ser erradicadas. É muito difícil pensar dessa forma, mas a gente trabalha pra isso.

Como você avalia as respostas institucionais relacionadas a estes casos de violência contra pessoas LGBT+ no contexto eleitoral?

Keila – As respostas institucionais relacionadas a esse processo de violência e até de assassinatos são muito desencontradas e carecem ainda muito de um entendimento, entendimento profundo do contexto em que se está sofrendo essa violência. A polícia de investigação tenta de toda forma não qualificar essas mortes e violências considerando o discurso perpetrado pelo discurso de ódio feito por políticos e pessoas públicas. Não levam muito em consideração isso. A Defensoria Pública tenta ajudar de um lado, mas fica muito refém por não ter elementos suficientes. As promotorias também, ainda não atuam fortemente com relação a essas violências, quando elas ocorrem nesse contexto político. E as plataformas de mídias digitais ainda não conhecem ou não conseguem avaliar o quão sério são essas violências. A gente conhece, de fato, que essas pessoas, principalmente as pessoas trans, estão sofrendo violências aí vindas de todos os lados, de atores públicos, de pessoas públicas, políticos especialmente, haja vista que quando qualquer pequeno avanço ocorre, levantam-se várias instituições e personalidades políticas para falar contra, pra fazer contraponto geralmente contrário ao que a população trans reivindica. Isso é muito ruim porque a gente tem uma dificuldade enorme de não ocupar meio de comunicação de massa por essas condições e a gente fica também refém das redes sociais, que são nossos principais canais de comunicação. Ainda bem que nós temos esses canais para fazer contrapontos diante de publicações que não dão vazão de comunicar o que a gente consegue ou almeja como conquista. As redes sociais são importantes nesse sentido, mas a gente não tem ‘muita perna’ para alcançar esses discursos mais inflamados quando eles se levantam contra nós e nem como cobrar uma maior exatidão desses crimes quando eles acontecem – com relação à polícia que investiga e o poder judiciário. No caso do crime de Dandara dos Santos, morta, assassinada em São Paulo, meses depois o secretário de segurança disse que não houve nenhum crime de LGBTfobia naquele estado, mesmo sendo esse um caso emblemático em todo o Brasil e no mundo.

Quais são as principais ameaças que você identifica para a população LGBT+ com o fortalecimento de agendas políticas contrárias aos direitos LGBT+ no contexto das eleições de 2018?

Keila – O não reconhecimento das nossas conquistas é o talvez o estabelecimento de alguns marcadores ou de alguns instrumentos que vão nos colocar em vulnerabilidade maior. É uma não programação do Governo para essa pauta. Já estamos no terceiro mês desse governo e a gente não sabe em que terreno estamos pisando, ainda existe uma incógnita muito grande sobre o que de fato é pratico do discurso que já foi feito. Porque a gente precisa saber de fato para poder planejar os próximos passos. A gente não pode ficar tateando sem saber o contexto que nos aguarda. Claro que nós, especialmente a população trans, que faz parte da Antra, não espera desse governo nada de concreto para nossa população. A gente já torce pelo não retrocesso. Retroceder para nós seria muito ruim. Dito isso, e pensando que a gente não vai avançar mais do que a gente fez até aqui, a gente vai estar aguardando os passos que o governo vai dar para que a gente possa programar a nossa reação. E a nossa reação vai ser sempre essa: direta, incisiva, dentro da defesa dos direitos humanos da nossa população, dentro da reparação que a nossa população precisa. A gente vai estar muito empenhado fazendo isso. Os estados vão ser um importante nicho de resistência se a gente não tiver nenhuma luz do cenário federal. A gente vai ter que se aproximar muito mais de governos estaduais e municipais para conseguir trabalhar mais nitidamente com essa população. Até que a gente consiga colocar novamente no Brasil um governo progressista. Governo democráticos, né? Enquanto isso não vem, uma das práticas nossas é a atuação com o Judiciário, buscando envolver o STF em algumas conquistas que a gente tem noção de que não será pela via Legislativa. Então que o STF possa responder a algumas inquietações em forma de ADPF [Ação de Ddescumprimento de Preceito Fudnamental] ou ADIn [Ação Direta de Inconstitucionalidade] para seguirmos então nesse tempo sombrio que o Brasil enfrenta agora.

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